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LAC, EM RETROSPECTIVA 

a partir de um singular comprometimento com o tempo

O EDIFÍCIO, DIFERENTES USOS

Enquadramento Urbano:

Planalto em ligeiro declive, parcialmente adossado, dentro das muralhas da cidade, no flanco O. próximo do Baluarte de São Francisco ou do Jogo da Bola (v. PT050807050003). Confina a E. como antigo Convento de Nossa Senhora do Loreto (v. PT05080700034), em cuja primitiva cerca se inscreve. Fachada principal virada a S., antecedida por um pequeno quintal delimitado por um muro.  Fachada lateral O. desafogada e aberta para uma rua que se afasta  do centro histórico. Fachada posterior parcialmente adossada a  edifícios de piso térreo. Zona envolvente composta maioritariamente por edifícios de dois pisos, definindo-se um largo irregular diante da Cadeia e do antigo Convento de Nossa Senhora do Loreto.

Fonte: DGEMN – Ficha de Inventário do Património

O INÍCIO

CONVENTO DE NOSSA SENHORA DO LORETO / CONVENTO DE SÃO FRANCISCO / CONVENTO DOS CAPUCHOS / CONVENTO DE NOSSA SENHORA DA GLÓRIA

O Convento de Nossa Senhora da Glória, Mosteiro de S. Francisco, foi edificado em 1518, pelo então Bispo do Algarve, D. Fernando Coutinho, sob invocação de Nossa Senhora do Loreto. Situado inicialmente mais perto do rio, em zona insalubre e pouco estável, o edifício entrou em rápida decadência. Em 1560 é fundado o novo convento mais afastado do rio, um pouco mais acima na encosta. Em 1716, o convento é dedicado a Nossa Senhora da Glória, e em 1755 sofre danos com o terremoto, sendo posteriormente reconstruido. Em 1834, com o decreto de extinção das ordens religiosas, o convento é desativado, sendo a cerca retalhada, vendida e ocupada por diversas fábricas e armazéns.

Descrição: Planta composta por vários corpos cronologicamente distintos, formando L. Coberturas de 3 águas onde se destaca chaminé. No pátio interior, muito transformado com casas abarracadas, ainda é possível depreender a existência do claustro através do testemunho de 2 paredes em alvenaria de pedra. Chaminé barroca, de secção quadrada e ângulos moldados, remate em cúpula encimado por motivo decorativo de forma ondulante; é o único elemento decorativo alusivo à fundação do convento, assim como o corpo onde ela se insere, que no interior está muito alterado.

Fonte: Sistema de Informação para o Património (SIPA)

Foto: Fachada da Igreja e do Convento Nossa Senhora da Glória, anos 30 do séc. XX. I Foto: Dr. José Formosinho, coleção do Eng.º José Ramos Formosinho I Facultada pela Fototeca do Município de Lagos

Foto: Francisco Castelo I Facultada pela Fototeca do Município de Lagos

O SÉCULO XX

Entre 1910 e 1911, no local do convento foi instalado um quartel da Guarda Nacional Republicana e, ao lado deste, já nos anos 30-40, onde se situava a igreja do convento foi construída a cadeia comarcã, desativada em 1971. Entre 1982 / 1983, o edifício é habitado por famílias provenientes das ex-colónias e após um longo período sem utilização, o espaço é revitalizado com a sua atribuição ao LAC – Laboratório de Actividades Criativas, em Setembro de 1996.

CADEIA COMARCÃ

Depoimento do filho do carcereiro em mensagem enviada ao seu amigo José Paula Borba: «…aí lhe envio a foto da Cadeia Comarcã de Lagos, hoje já extinta graças a Deus […] Nesse edifício passei bons momentos de lazer durante os dias de férias que fazia em Lagos [anos 40]. Havia lá gente de toda a classe social, camponeses, pescadores, industriais,  engenheiros, etc. […] havia um camponês que me deliciava com os seus versos improvisados. Outro ensinou-me a trabalhar o vime; outro a trabalhar com fio de pesca; outro deliciava-nos na nossa casa de jantar com música do seu acordeão. […] Aos domingos a porta principal estava repleta de homens, presos, mas em liberdade. A maior parte trabalhava em cestaria, alcofas, pincéis, vassouras que o meu pai arranjava quem os vendesse sendo o lucro todo para o preso. Vi um dia um preso sair da cadeia com um fato novo e dinheiro na carteira[…] na foto está o meu pai regando o jardim feito por ele, sebes, flores e três pessegueiros cujos frutos nos deliciavam.

José Rosa – Julho 2009, Terrugem – Sintra

 

CRONOLOGIA

  • 22 Set 1933 – Entre 1931-1932, o Município de Lagos recebe 20.000$00, por parte da DGEMN, para a construção da cadeia civil

  • 22 Out 1934 – Em relatório sobre as obras em curso, é referido que a cadeia está instalada em edifício “construído, ou talvez reconstruído, expressamente para cadeia em 1712” no centro da cidade em frente da Igreja de Santo António, em que “as fugas são ”frequentíssimas” e as condições “são sofríveis no 1.º andar e más no rés- do-chão”, cujo acesso é só psossível por alçapões abertos no pavimento do 1.º andar. Em estudo estará a execução em “localização satisfatória”, de nova cadeia em terreno ocupado, anteriormente, pela igreja do Convento de Nossa Senhora do Loreto
  • 28 Mai 1936 – O decreto-lei n.º 26.643, define Cadeia Comarcã: “Uma cadeia Comarcã destina-se ao cumprimento da pena de prisão até 3 meses – na qual se actua por intimidação, para prevenção geral e ”satisfação do sentimento de justiça”, com isolamento celular contínuo (salvo para os presos com boa conduta ao fim de 1 mês, aos quais é permitido o trabalho em comum) de prisão preventiva ou “detenção”, à ordem da autoridade administrativa ou policial e guardando julgamento, com isolamento contínuo nos primeiros 30 dias, e sempre com isolamento nocturno. A construção de edifícios é feita com zonas absolutamente distintas, para adultos de ambos os sexos, sem qualquer possibilidade de comunicação (mesmo visual). A sua capacidade não deve exceder a média dos presos preventivos e condenados até 3 meses dos 5 anos anteriores, acrescida de 1/3. Para além das celas individuais e disciplinares, a cadeia é constituída pela secretaria, o parlatório e o gabinete de magistrados, a habitação do carcereiro e, em cada secção de homens e mulheres, as casas de trabalho – que podem ser recurso para alojamento de detidos ou de condenados, ou utilizadas como capela – as instalações sanitárias e os espaços para recreio e exercícios, cobertos e descobertos. A direcção é exercida pelo Magistrado do Ministério Público e o serviço quotidiano assegurado pelo carcereiro. A alimentação é fornecida por entidades externas, privadas ou públicas, o serviço de saúde fica a cargo do médico municipal e o serviço de assistência é entregue ao pároco da freguesia e a grupos locais de visitadores”
  • 1 Fev 1938 – A DGEMN autoriza a conclusão de 17 cadeias, incluindo a de Lagos.
  • 10 Out 1941 – Aberto concurso para a adjudicação da empreitada de construção da cadeia de Lagos (base de licitação 426.087A DGEMN autoriza a conclusão de 17 cadeias, incluindo a de Lagos; 1941, 10 Out. – Aberto concurso para a adjudicação da empreitada de construção da cadeia de Lagos (base de licitação 426.087$32)
  • 4 Jul 1942 – O MOPC, após visita redige instruções: “É indispensável fazer-se um estudo urbanístico do local, tendo em atenção a possibilidade de aproveitamento de uma edificação conventual existente nas proximidades da cadeia e a necessidade de encontrar solução conveniente para o problema das instalações para o posto da G.N.R.”
  • 14 Set 1946 – Auto de entrega do edifício da cadeia comarcã
  • 4 Jun 1969 – Considerando o elevados custo das cadeias e as dificuldades da gestão partilhada entre Ministério da Justiça e câmaras municipais, entre outras, o decreto-lei n.º 49.040 define a transformação das cadeias comarcãs e com execção de Lisboa, Porto e Coimbra, a extinção efectiva das cadeias comarcãs será progressiva
  • 1982/1983 – O edifício é habitado por famílias oriundas das ex-colónias Portuguesas.
  • 2001 – Registo em como “funciona no imóvel uma oficina de pintura e de artes plásticas”.

A ARQUITECTURA

Cadeia comarcã resultante de projecto elaborado para a Comissão das Construções Prisionais pelo Arq. Rodrigues Lima, a partir das orientações contidas em projecto-tipo do Arq. Cottinelli Telmo e realizado no âmbito da primeira fase do 1.º Plano de Construções Prisionais (1941). Estabelecimento prisional para reclusos preventivos e condenados a penas de curta duração, oriundos da comarca correspondente ao concelho e de comarcas vizinhas, em instalações segregadas por sexo para alojamento, trabalho, refeições, recreio e higiene, com capacidade reduzida, neste caso, 11 homens e 4 mulheres. O edifício apresenta volume de 2 pisos em testa, contendo vestíbulo, secretaria e parlatório (piso inferior) e habitação do carcereiro (piso superior, com acesso independente da via pública e escada privativa); volume de 2 pisos perpendicular ao primeiro, contendo a ala prisional de homens (4 celas no piso inferior e 7 no superior, galeria com duplo pé-direito, varandim no piso superior); volume adossado a este do lado exterior, de um piso apenas, para instalações de apoio à ala prisional de homens (casa de trabalho, alpendre de recreio coberto, pátio); volume de um piso apenas, perpendicular ao primeiro e destacado do segundo por pátio interior (saguão), contendo a ala prisional de mulheres (4 celas e casa de trabalho); e volume adossado a este do lado exterior (lado oposto ao pátio de homens) para apoio à ala prisional de mulheres, contemplando parte coberta (recreio coberto) e parte descoberta (pátio). A composição arquitectónica do edifício traduz um conjunto de preocupações do Estado central relativas à representatividade, dignidade, solidez e simbolismo das instalações afectas aos serviços da Justiça em geral e prisionais em particular, traduzidos na utilização de massas construídas em volumes paralelipipédicos de linhas simples e bem definidas, corpos e fachadas diferenciados tendo em conta as divisões e funções, alas prisionais e pátios protegidos por muros altos, simples e comunicante, conjuga traços de modernidade (vãos em faixa horizontal contínua, desenho de cantarias) com citações regionais (volumetria, platibandas de remate horizontal, nembos em tijolo aparente, chaminés de recorte tradicional). Estas características representam em muito a obra arquitectónica produzida centralmente para a instalação dos serviços públicos entre as décadas de 1940 e 1960.

 

CARACTERÍSTICAS PARTICULARES

A Cadeia Comarcã de Lagos é parte de um conjunto de estabelecimentos congéneres, a nível regional (com Loulé, Olhão, Portimão e Silves) incluído no 1.º Plano de Construções Prisionais do período do Estado Novo (1941) e realizado entre esta data e 1946-1947. Contudo, contrariamente àqueles exemplos (edificados de raiz), a obra de Lagos assentou no aproveitamento das fundações de uma estrutura já iniciada. O projecto enquadra-se na primeira experiência de tipificação projectual para serviços prisionais desenvolvida pelos serviços da DGEMN. Com os edifícios dos C.T.T. e da nova Alfândega de Lagos, a cadeia comarcã forma um conjunto de equipamentos de iniciativa central do Estado durante o regime ditatorial, cujo símbolo ficou sendo, na vertente urbanística e turística, a avenida marginal construída no mesmo período.

MATERIAIS: Alvenaria rebocada e caiada, vidro, mosaico de exteriores e de interiores, madeira, ferro, telha.

UM PROJECTO: LAC, jan 2020
EDIÇÃO: Nuno Pereira
REVISÃO: Sónia Felicidade
GRAFISMO: Daniel Bastos
TRADUÇÃO: Teresa Campos

FONTES: Ministério da Justiça I Documentação DGEMN: DRELisboa, DSARH; DESA, DSID; SIPA – Sistema de Informação para o Património Arquitetónico, (DGPC); PAULA, Rui Mendes, Reabilitação Urbana e Património, Câmara Municipal de Lagos, 1992; Documentação fotográfica DGEMN: DESA, DSID; CML – Fototeca do Município de Lagos.